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quinta-feira, 30 de junho de 2016

A NECESSIDADE DO DIÁLOGO

   Na semana que se findou uma matéria publicada na Gazeta do Povo, no dia 22 de junho, cujo título é "O presente e o futuro da prática psicológica no Brasil" de autoria de Juliana Chainho, criou certo furor em profissionais e estudantes de psicologia do Paraná. Tal exaltação é o resultado da perplexidade à crítica existente nesta matéria, cujo alvo é a Psicologia brasileira.


   A autora se apresenta como uma psicóloga, evidencia que sua formação aconteceu fora do Brasil e exalta-se como uma profissional paradigmal - ao mesmo passo que acusa o restante, com exceção daqueles que ela própria conta nos dedos, como não confiáveis. Penso que precisamos dialogar sobre essas ilações.


   Eu gostaria de direcionar esta reflexão às alunas e aos alunos de Psicologia da Unibrasil, pois se tem algo em que Juliana nos ajuda é perceber os riscos do estudo da psicologia longe da contextualização epistemológica - tema do qual tratamos incontáveis vezes em nossas aulas e que agora teremos o mais sumo exemplo.


   A referida autora está se comunicando com o mundo e o que ela nos diz?


   Atentemos à introdução:


"A psicologia é uma ciência que tem umas quantas especialidades, mas é uma tendência mais preponderante no Brasil – mas não apenas no Brasil – que os graduandos especializem-se na clínica." (CHAINHO, 2016).



   Como estudamos em nossas aulas, embebidos pelos ensinamentos de Luiz Cláudio Figueiredo (2011), a psicologia é múltipla em termos de especialidades e vasta em termos de aplicações. Em outras palavras, Ela (farei questão de tratar a ciência da psicologia com o pronome em maiúsculo para conotar a etimologia do termo, afinal, Psiquê, revivam o mito contato em aula, é uma Deusa que merece toda a nossa humildade, pois assim como a metáfora do termo "deus" conota algo maior que o humano também a psicologia trata de ser uma metáfora para algo maior que a ciência ou o cientista consegue entender) assim o é para tentar dar conta da complexidade do seu objeto de estudo: a alma. A última é tão absolutamente resistente às regras rígidas que utilizamos toda sorte de metáforas para entendê-la melhor: comportamento, mente, inconsciente, cognição, gestalt, sócio-história e ainda outras metáforas que criamos ou iremos criar.


   Como expressa Figueiredo (2011), não se pode confundir a "clínica" com um lugar, pois ela é, antes de qualquer generalização, um método. É através da "clínica" que ficou evidente para boa parte da comunidade científica a profundidade dos dilemas inconscientes humanos. No entanto, antes desse produto ser associado ao espaço fechado de uma sala particular, o sucesso deste desvelar se deve à atenção à subjetividade e ao dejeto epistemológico da ciência positivista. Ou melhor, é através de uma matriz ética que a "clínica" também pode se encontrar na escola, na organização, no hospital, na universidade, tanto como espaço de criação de conhecimento quanto como espaço de terapheia.


   Se a ânsia da ciência do século XIX seria encontrar todas as leis da realidade, seria justamente o ruir dessas pretensões que dá nascimento às ciências complexas, aquelas que resistem à previsibilidade das ciências objetivas (PRIGOGINE; STENGERS, 1997). É necessária uma reforma da arrogância ocidental para aceitar uma ciência paradoxal (MORIN, 2002) - como a física quântica ou como a própria psicologia. É igualmente fundamental muita coragem, lembrem-se do ensinamento de Sócrates, para admitir que talvez não se "saiba" e que a realidade seja mais acurada quando tratada em termos de probabilidades (PRIGOGINE, I.; STENGERS, 1992).


   É por conta desta complexidade que muitas das regras que valem para as versões mais simples das ciências (todas as ciências possuem versões mais complexas, as quais concebem como importante a subjetividade), não valem para nenhuma perspectiva da psicologia. Uma destas confusões é evidente na fala de Chainho (2016): "É preciso ter certa experiência de vida, mas os formandos, em geral, têm 20 e poucos anos".


  Se a psicologia fosse uma ciência simples poderíamos imaginar, como alguns saberes da saúde, que a experiência de vida ofereceria a este profissional mais tempo para absorver o conhecimento sobre o outro. Em nossa ciência, no entanto, a experiência de vida e profissional serve exatamente ao oposto, qual seja, ela serve para iludir o profissional de que ele já viu aquele fenômeno antes; serve para oferecer ao profissional uma saída à angústia de trabalhar com possibilidades; serve para oferecer uma sensação de controle sobre a psique complexa; em última análise, tal orgulho da "experiência de vida" serve para nos distanciar da "experiência do outro" (FIGUEIREDO, 2011).


   É porque discutimos tantas vezes sobre estes princípios e as angústias que Ela nos traz que estranho também a seguinte opinião de Chainho (2016) sobre os profissionais de psicologia: "(...) percebo que não têm uma cosmovisão na qual se insira o indivíduo, a psique, o que deixa em suspenso o que será do paciente que vá ter com ele".


 De quem fala Juliana? São vocês psicólogas e psicólogos que se baseiam em personalidades de internet como Olavo de Carvalho?


  Quantas vezes nós, em sala e fora dela, discutimos sobre economia, religião, virtudes, família, sonhos e medos? Quantas vezes colocamos em dúvidas nossa própria fé, nossa própria cosmovisão? Quantas vezes eu como cristão perguntei a vocês se Deus seria capaz de amar tudo, até o Demônio (RANZI, 2014)?


   Eu gostaria de dizer que, ao contrário do artigo jornalístico opinativo aqui referido, confio meu presente e meu futuro a vocês. Orgulho-me em toda oportunidade que posso entregar uma prova com nota máxima para um de vocês e vê-los, repetidas vezes, me olhar com espanto como se dissessem: "Eu mereço?".


   Sim, vocês merecem.



Caetano Fischer Ranzi, psicólogo, especialista em Psicologia Analítica, Mestre em Meio Ambiente e Desenvolvimento e professor da Unibrasil.





Chainho, J. O presente e o futuro da prática psicológica no Brasil. Disponível em: http://www.gazetadopovo.com.br/conta/cadastre-se/?referrer=http://www.gazetadopovo.com.br/opiniao/artigos/o-presente-e-o-futuro-da-pratica-psicologica-no-brasil-8d6j1u5eqtxee6wn33qxonbeq.


Figueiredo, L. C. (1996). Revisitando as psicologias. Da epistemologia à ética das práticas e discursos psicológicos. São Paulo / Petropólis: EDUC / Vozes


MORIN, E. A cabeça bem-feita, repensar a reforma & reformar o pensamento. 6. ed. Rio de Janeiro: Bertrans Brasil, 2002.


PRIGOGINE, I.; STENGERS, I. A nova aliança. 3. ed. Brasília: UNB, 1997.


______. Entre o tempo e a Eternidade. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.


Ranzi, C.F. A medida do exagero e o apocalipse cristão: uma breve digressão sobre a gênese do risco na sociedade ocidental. 1. ed. Curitiba, Paraná: Editora UFPR.